O QUE MUDOU AFINAL? A LUTA CONTRA DISCRIMINAÇÃO RACIAL ONTEM E HOJE

Gilene Pinheiro
Secretaria Geral – Sindicelpa Bahia
Secretaria de Combate ao Racismo – CUT Bahia

A discriminação racial é anterior à carnificina que deu azo a sua instituição pela Organização das Nações Unidas, em 1966. Desde então, o dia 21 de março é destinado a refletir oficialmente acerca da emergência do combate às práticas racistas que persistem no mundo. Nesta data, no ano de 1960, vinte mil pessoas protestavam nas ruas da Capital da África do Sul contra uma da norma estatal racista e desumana, a chamada Lei do Passe, vigente no regime do apartheid da República Sul Africana.

O referido regime consistiu no mais escandaloso caso de discriminação e segregação racial do século XX. De acordo com a lei, a população negra deveria portar um cartão que discriminava exatamente quais lugares poderiam ou não frequentar, limitando-lhes severamente o direito ambulatorial de ir e vir e ferindo-lhes a dignidade humana. Irresignados contra a prática que remontava aos tempos do escravismo colonialista, os negros sul-africanos foram às ruas de Shaperville, cidade da província de Gauteng, para protestar por igualdade, o que não imaginavam é que a consequência de tal ato resultaria em opressão a fogo aberto, cujo saldo final culminou em aproximadamente 70 mortos e 186 feridos.

Dali em diante, uma série de protestos ainda maiores eclodiram pelo país, chamando a atenção da comunidade internacional acerca da persistência do racismo e de sua face violenta, levando à luta contra a segregação racial a se intesificar por todo o mundo. Em que pesem os avanços significativos conquistados pela luta anti-racista, tais quais a extinção de leis discriminatórias e a criação de marcos normativos que punem o racismo, a sua prática ainda persiste e, dizemos sem medo de errar, se transformou a fim de se adaptar aos novos tempos. A discriminação racial é muito ampla e complexa, repleta de nuances que por vezes tornam difícil identifica-lá, de modo que detém de características singulares em cada país, constituindo-se como prática explicíta e até mesmo política em uns, como nos Estados Unidos, e recreativa e subestimada em outros, como é o caso do Brasil.

E é por aqui, onde os avanços mais tardaram a chegar, a exemplo da abolição tardia, que os resquícios da discriminação racial contra negros ainda escandalizam nos âmbitos do sociabilidade, da vida doméstica e do trabalho, tendo este último protagonizado um episódio que nos leva diretamente de volta aos tempos do Brasil colônia e suas pavorosas senzalas.

Sim, estamos falando do caso das vinícolas gaúchas Aurora, Garibaldi e Salton, que, segundo informações do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), contava com 95% de homens negros dentre as pessoas resgatadas em condições análogas à ecravidão em fazendas gaúchas. Raivosos quanto à exposição do fato, líderes da região do país que protagoniza a criação e disseminação de ideias neonazistas não hesitaram em destilar o seu racismo nos palcos da mídia e até mesmo Administração Pública, acusando aquelas pessoas de preguiçosas, insensível ao fato de que foram ludibriadas com promessas de empregos e salários melhores e terminaram presas, maltrapilhas e famélicas por meio de rigoroso sistema (vulgo capatazes armados) e de dívidas contraídas no próprio local de trabalho.

Tais práticas não constituem acontecidos isolados, o que nos mostra o quanto ainda precisamos avançar no combate à discriminação racial no Brasil, pois a cada operação de resgate em fazendas desse tipo o perfil dos trabalhadores escravizados se repete: homens negros, jovens, nordestinos e com baixa escolaridade. Não bastasse a violência histórica contra os negros e a sua exclusão sistemática da cidadania e do mercado de trabalho, parece faltar o mínimo de boa vontade dos poderes executivos em colocar em implementar, efetivar e fiscalizar as leis atuais que visam a rervsão deste quadro. Pois os salários iguais entre negros e brancos ocupantes de mesma função permanecem díspares, o que se acentua quando se analisa a situação da mulher negra.

No dia da luta internacional pela eliminação da discriminação racial,cumpre lembrar que somos o povo que torceu o nariz quando o poder legislativo garantiu a equiparação de direitos trabalhistas às empregadas domésticas em relação aos demais trabalhadores. Achamos absurdo regular relações “senhoriais” que funcionaram “tão bem”( para um lado apenas) durante séculos. A data instituída pela ONU em ocasião do massacre de Shaperville não é meramente simbólica, mas funciona como memorando histórico da contemporaneidade do racismo e do quão é difícil combatê-lo e, posto que persiste mesmo em nações com elevados índices de educação . O dia de hoje nos mostra o quão importante é lutar contra o racismo em todas as suas formas, convocando-nos a fazer a lição de casa combatendo o racismo contra os negros no Brasil, para que deixemos o quanto antes de seguir embebidos pelos vinhos produzidos em neosenzalas.